quarta-feira, 16 de junho de 2010

Douce France

Queria gritar. Tinha apenas a certeza de estar no lugar certo. Voltava a sentir sob sua pele algum sangue percorrendo por entre suas veias. Naquele momento sentia seus pés, cruzados, a cabeça posta delicadamente inclinada para a direita e os pulsos devidamente colocados em cima de seus joelhos, pendendo suas mãos para baixo. Sua nuca estava a mostra, por isso sentia um leve arrepio ao passar das horas. Estava ali, perplexa. Tentando achar alguma saída para aqueles erros, ainda tão evidentes. Meditou por alguns minutos. Estava livre. Percorria desertos, descalça. Despida de todos os empasses e preocupações. Caminhava lentamente. Apreciava o encontro de seus pés com a areia, clara e macia. Como se não buscasse objetivo algum, caminhou mais lentamente. Parou. Ficou escuro de repente.
Meditou outra vez, e o que viu foram flores. Uma grama verde quase que reluzente ao toque do sol e lindas margaridas. Também rosas, que a um leve orvalho da noite anterior tinham desabrochado antes da hora. Feriu-se em um espinho ao tentar encontrar a pétala perfeita. Correu para baixo de uma macieira. Ali ficou por horas, lendo seu romance preferido – Werther - acompanhado de Cecília. Lágrimas escorreram de seu rosto ainda jovem. Novamente tentou sentir suas mãos tocar noutras, mas ali estava - sozinha. Esperava ansiosamente a chegada de alguém, não sabia quem, mas esperava mesmo assim. Debaixo daquela árvore que um tenro outono despiu, mais uma vez meditou.
Desta vez viu seu futuro, ou talvez algum passado remoto. Estava de vestido e cabelos longos. Pedia permissão para dançar com um jovem rapaz uma valsa antiga. Pisou em seus pés e se desculpou. Viu dois de seus três filhos. Eles falavam uma língua até então desconhecida por ela, mas, entendia cada palavra. Concordava e discordava, e afirmava novamente suas opiniões sobre as obras que naquela semana estariam expostas no Louvre. Percorria a Champs Élysée em um breve calar de passos, pois parecia flutuar sobre aquela paisagem. E de repente, em uma cena comovente, viu seu terceiro filho correndo para abraçá-la. Sentiu aquele abraço de demora, e partiu.




Karin Segalla Ferreira

terça-feira, 15 de junho de 2010

Outrora

Seu passado não a incomodava, apenas lhe causava um breve calafrio. Gostava da lembrança do gosto de beijos, onde águas fugidias de outro corpo lhe preenchiam por inteiro - e onde mais tarde se alimentaria de algumas migalhas e restos de alguma noite de outrora.
Parecia ouvir, perfurando-lhe os tímpanos, os suspiros de alguém distante, ainda latente em sua memória. Nada era claro, os suspiros, a voz, aquela imagem. Podia apenas sentir o toque, que com a ponta dos dedos percorria os olhos e os lábios de outrem.
Fazia, por repetidas vezes, o mesmo toque no ar – sentia. Procurava por outras mãos, mas só encontrava suas duas mãos frias. Como pudera? Sentir-lhe a face e não as mãos. Mas quem? De quem seria o doce rosto, que a um simples toque a fizera deseja-lo tanto?
Tentava lembrar quem foram seus amores e amantes, e percebia que de fato ainda não amara a ninguém. Tentou escrever por muitas vezes, durante muitos anos sobre seus sentimentos, e agora vê que nunca os sentiu. Parecia estar em um prelúdio para a morte. Descansou seus lábios. Tentou sentir, tentou escrever, tentou respirar. Não conseguiu.


Karin Segalla Ferreira