terça-feira, 15 de junho de 2010

Outrora

Seu passado não a incomodava, apenas lhe causava um breve calafrio. Gostava da lembrança do gosto de beijos, onde águas fugidias de outro corpo lhe preenchiam por inteiro - e onde mais tarde se alimentaria de algumas migalhas e restos de alguma noite de outrora.
Parecia ouvir, perfurando-lhe os tímpanos, os suspiros de alguém distante, ainda latente em sua memória. Nada era claro, os suspiros, a voz, aquela imagem. Podia apenas sentir o toque, que com a ponta dos dedos percorria os olhos e os lábios de outrem.
Fazia, por repetidas vezes, o mesmo toque no ar – sentia. Procurava por outras mãos, mas só encontrava suas duas mãos frias. Como pudera? Sentir-lhe a face e não as mãos. Mas quem? De quem seria o doce rosto, que a um simples toque a fizera deseja-lo tanto?
Tentava lembrar quem foram seus amores e amantes, e percebia que de fato ainda não amara a ninguém. Tentou escrever por muitas vezes, durante muitos anos sobre seus sentimentos, e agora vê que nunca os sentiu. Parecia estar em um prelúdio para a morte. Descansou seus lábios. Tentou sentir, tentou escrever, tentou respirar. Não conseguiu.


Karin Segalla Ferreira

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