Nessa capa mora uma mulher. Despida. Ela olha nos teus olhos como se estivesse presa, e tu, a presa, fosse a liberdade. Os olhos dela se fecham calmamente na luz dos dias, da mesma forma indizível que seu corpo se abre para um mundo de sensações aos domingos. Não! Nunca aos domingos! Recordação indelével. Mais uma vez esse azul cetim do céu de Março. Tentei por agora e horas a fio remover a capa desse livro que nada me diz. Mas não consigo. O prazer que tenho ao vê-la, não sei dizer. Sucessão de sentimentos pequenos. Indiferença. Os cabelos que com o vento lhe cobriam parte da face, que na véspera se mostrava todo, faziam minh'alma transbordar de afago. Afeto. Seu pálido sorriso me convidava para uma viagem sem volta. Espasmos de prazer e cãimbras pungentes, os seios ofegantes e a boca mais uma vez seca, permitiam exacerbar a vontade que se agitava ao prazer daquelas doces rendas. A minha boca pedia por migalhas de prazer, que só ela me daria. Mas seriam apenas migalhas. Mais nada. Migalhas que foram restos de outrora que na véspera ninguém quis. Ninguém quis. Lúcia retirou de mim o meu pedaço mais sincero. O meu gesto mais inocente e honesto. O meu amor. Fez eu crer que tudo era errado, que tudo acabaria e "nada valeria a pena, pequena". Simples. Tão simples que Março se inicia mais uma vez. Ela lá, e eu cá (acho que só eu entendi essa colocação). Como se a dor tivesse sido arrancada e apenas ficassem aquelas lembranças. Aquele gemido, as pernas trêmulas, a face dormente, o peito procurando fôlego, dois corpos se rendendo na luta que eles mesmos provocaram, afogados em languidez. Lúcia era a poesia. Lúcia era um sexo banal. Eu? Eu tenho sede da febre que me queimava, tenho sede do delírio. Sede da carne a qual me prostrava e com tal igualdade me servia.
- Não quero escrever sobre amor pra você.
Karin Segalla Ferreira
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