sexta-feira, 12 de julho de 2013

O Tempo

     Quando dois corações solitários pulsam em um mesmo grave, em um mesmo sintoma de paixão e angústia, o verdadeiro e derradeiro desvairo se inicia. A surpresa ao reconhecer a distância implacável da falta de coragem, o medo ao sentir-se só em tamanho universo de coisas, sons, cores, pessoas, mágicas e magias. Tantas coisas a serem descobertas. Mas nada. Nada afasta do coração aquela falta. O desespero ímpar de se navegar em águas dante desconhecidas e nunca por nenhum outro que pertence ao mesmo, à procura de ser um só, faz de todo e qualquer momento como se fosse o último. O último suspiro, a última noite. O despertar incerto e impreciso, partindo de uma só vez a falta de coragem e todas as coisas terrenas. 

- Agora eu acordei. Perplexo, nas tais ausências do nexo. Num caminhar tão desconhecido quanto o navegar pelas tais águas. Pelos tais rios e mares. Eu cansei de agonizar. Cansei de cantar o riso e o pranto por todos os lados. Cansei de me exemplificar nas palavras. Cansei de definir, protagonizar, vestir personagens, máscaras e afins. Meu reflexo agora é um só. Nenhuma tristeza gera mais impiedade que a tristeza da renúncia. Nenhuma, nem impunidade. Não traz nenhum afago externo, nenhuma garantia. Nenhuma, nenhuma... A falsa esperança do incompleto desenho refletido, que não existe e nem nunca existiu, assiste agora ao cansaço de uma alma que ainda não navega, mas está ancorada... em algo maior. Ainda sobra nessa loucura toda, gerada pela falta, a sombra de um leve caminhar em movimento. 
 - Por onde andas? Por onde afagas esse teu corpo que é teu, mas tão meu? 
 - O movimento dos meus braços, agora abertos, me trazem ao fim do mundo. Eu girei em torno de todos os meus pensamentos, de todas as inconstâncias, cantos, lágrimas. 
 - Como é teu nome? 
 - Estou despedaçada, e gostaria de permanecer calada. Foi dormindo que eu acordei. Essa tarde já não me parece mais aquela que era antes. Nem teus olhos. Nem teus braços, muito menos tuas mãos, as duas, frias. 
 - Eu forjei teu movimento. Forjei teus passos, tuas escolhas. Até mesmo os teus sentimentos. 
 - Que pena. Estranhos momentos em que me botaste. Mas agora eu sei. Não és meu, nunca foi. Eu sou minha, ainda que tenha esquecido. O meu desenho foi eu quem fez. A minha estrada, as cores dela. Meu caminhar, os passos, foi eu quem deu. A minha ausência agora é tua. Afasta-te. Leve de mim teu gosto, leve o tempo, reinvente a tua memória. Eu reinventarei a minha. Voltarei a ser, ainda que não me alcance. Verei a lua nascer nos braços de quem amo. Afasta-te! 
 - Não resistirás. Andarás solitária. Estrela fria. Não pense que estarás longe de minha vista. 
 - Não me importo. Viverei feliz ao lado dela, que amo. Nada me afastará de mim mesma. "O amor ressuscita". 

     Em algum lugar do mundo, a festa se iniciou nos céus. Um caminhar que começa ao lado de quem se ama é a renúncia de todas as outras memórias, ainda que infalíveis e imensas. Elas não duram muito tempo. O amor vale mais, faz mais falta, se preserva. É eterno, em sua totalidade, e em todas as suas partes, nesse caso, duas, inteiras. Ela não tinha nenhuma letra. Ela, já não tinha mais nenhuma palavra, nenhuma dor que a fizesse trazer de volta a um simples alívio. Ela queria mudar. E pagou o preço. Justo pelo que resolveu viver. Ela ainda não sabe. Mas ela a espera, mesmo sem ter feito nenhuma promessa. Ela sabia que a luz estaria indelevelmente acesa. Nos olhos e no horizonte. 

 "O tempo é eternidade"; Cartas para Vicentina. 

 Karin Segalla Ferreira

Nenhum comentário: