quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Breve traço de amor nos meus vestidos


- Procurei teu canto nos meus vestidos, e no meu armário... mais um riso contido. Procurei-te e depois de te achar me perdi. Sem abrigo. Mas nem tudo dura pra sempre. E o pra sempre mesmo eu nunca vi. Procurei-te nos meus versos, bálsamo, procurei teu cheiro, teu sorriso, tua pele. Só encontrei a saudade. Encontrei a saudade, a memória. Aquele abrigo já não é mais meu, nem do teu sorriso, nem da vista da tua janela. Eu cantei tudo, e joguei tudo fora. Mas ainda procuro, ainda quero, ainda me culpo. Me despi de todas as canções. E você continua ali. Eu te procuro todo dia, e te acho nos meus vestidos, escondida em meu sorriso. Não me olho mais nos olhos. Não me olho mais nos olhos... porque eu não vejo mais os teus. As minhas duas mãos frias percorrem o meu peito angustiado. Tu não estás aqui, mas eu te acho. Na minha memória um breve traço, mediano, leve, me sufoca. Essa memória me sufoca. Nos meus ouvidos, ah os meus ouvidos... os teus lábios mortos de cansaço me diziam tantas coisas. Os meus ouvidos... agora já não dizem mais nada. Só esse silêncio, essa memória, essa saudade. Eu não sei onde estou. Mas já posso ir.

- Vicentina. Espere até amanhã. Seja digna do seu amor, da sua espera por si mesma. Não peque. Não fuja. Não vá pra longe. Fique aqui, com você. Minha boca não quer lhe dizer mais nada porque não há mais nada a ser dito. Todas as palavras são de amor. Não canto mais em seus ouvidos, porque todas as canções são de amor. E não... eu não quero escrever sobre amor pra você. Assuma, suma, voe pra onde quiser. Eu não me importo. Eu não me importo com você. Todas as pessoas me parecem melhores que você. Nunca mais vi ninguém como você. Você não sabe onde está, isso me incomoda. Você me prometeu e não fez. Aliás, você não fez nada V. Nem me amar você foi capaz. Agora vá, me deixa em paz com o que me restou, essas pessoas melhores, e tão diferentes de você. Essa sensação... essa merda que você me colocou Vicentina. Você levou minha paz. Eu não quero mais. Lave os seus vestidos. Regue o seu sorriso com outros lábios, ouça outras promessas, outros amores, outros vícios. Outras...


Karin Segalla Ferreira

sábado, 7 de setembro de 2013

Inverso

O amor é o inverso da vida. 


A vida é o canto abafado do instante, um acorde solto, longe, desafinado e breve.
Os trens que ontem por aqui passaram deixaram duas marcas de agonia pelo chão. Duas mãos frias.
O asfalto se perdeu entre os versos de Vicentina, e ela se perdeu por ali. Naquele chão, naquele asfalto. Naquele acorde desafinado e breve. Vicentina perdeu o trem, por distração. A vaga ideia do amor perfeito se desfez naquele tempo. Em poucos segundos o trem levara tudo o que possuía em sua memória. As cartas que não enviou, as palavras sérias e despidas (madrigais), a languidez de seu rosto, a estupidez e outras feridas. É sincero lembrar que Vicentina já não aguentava mais, já não suportava mais a sua memória, ainda que macia - doía demais. A natureza é incerta e precisa. É o inverso do ego, e do ego o complemento. Pois sem ela não haveria guerra, nem desejo, nem dor, nem paz. Vicentina é certa e imprecisa. As dúvidas insistem em perseguí-la... Felipe já não está mais ali. Lúcia se foi por entre os dedos e não quer mais saber. Pra ela já não vale o que passou. Nem as ruas, as canções, os nomes na boca de Tina. Os segredos, os afetos e os anéis. 
- No meu mundo, Tina, as dúvidas que tenho a respeito de mim mesma eu deixo pra depois. Posso parecer metida, mas é tudo o que tenho, prefiro viver. Deixar pra depois as dúvidas me fez ficar longe do controle de tudo. A dúvida sempre será o preço. Minha auto-estima agora é minha. E não de quem eu me apego. Sou uma mulher de sorte. Eu tenho a mim, ainda que não saiba me elogiar. Ainda que de uns tempos pra cá eu tenha me perdido em outros lençóis. Fiquei inconsciente, beirei a folie e fiz jus ao que chamam de vastidão. Eu parecia perdida em qualquer lugar - em mim mesma. E tudo era o universo. Tudo era grande demais, longe demais. Eu estive em outra órbita. Tive que vomitar quantas vezes foi necessário até essa dor sair. Meu cérebro precisou de lítio, pena que não enlouqueci. Ora penso nisso com satisfação, ora com medo. Que bom que não enlouqueci. Há quem diga...

A vida é o inverso do amor.