sábado, 7 de setembro de 2013

Inverso

O amor é o inverso da vida. 


A vida é o canto abafado do instante, um acorde solto, longe, desafinado e breve.
Os trens que ontem por aqui passaram deixaram duas marcas de agonia pelo chão. Duas mãos frias.
O asfalto se perdeu entre os versos de Vicentina, e ela se perdeu por ali. Naquele chão, naquele asfalto. Naquele acorde desafinado e breve. Vicentina perdeu o trem, por distração. A vaga ideia do amor perfeito se desfez naquele tempo. Em poucos segundos o trem levara tudo o que possuía em sua memória. As cartas que não enviou, as palavras sérias e despidas (madrigais), a languidez de seu rosto, a estupidez e outras feridas. É sincero lembrar que Vicentina já não aguentava mais, já não suportava mais a sua memória, ainda que macia - doía demais. A natureza é incerta e precisa. É o inverso do ego, e do ego o complemento. Pois sem ela não haveria guerra, nem desejo, nem dor, nem paz. Vicentina é certa e imprecisa. As dúvidas insistem em perseguí-la... Felipe já não está mais ali. Lúcia se foi por entre os dedos e não quer mais saber. Pra ela já não vale o que passou. Nem as ruas, as canções, os nomes na boca de Tina. Os segredos, os afetos e os anéis. 
- No meu mundo, Tina, as dúvidas que tenho a respeito de mim mesma eu deixo pra depois. Posso parecer metida, mas é tudo o que tenho, prefiro viver. Deixar pra depois as dúvidas me fez ficar longe do controle de tudo. A dúvida sempre será o preço. Minha auto-estima agora é minha. E não de quem eu me apego. Sou uma mulher de sorte. Eu tenho a mim, ainda que não saiba me elogiar. Ainda que de uns tempos pra cá eu tenha me perdido em outros lençóis. Fiquei inconsciente, beirei a folie e fiz jus ao que chamam de vastidão. Eu parecia perdida em qualquer lugar - em mim mesma. E tudo era o universo. Tudo era grande demais, longe demais. Eu estive em outra órbita. Tive que vomitar quantas vezes foi necessário até essa dor sair. Meu cérebro precisou de lítio, pena que não enlouqueci. Ora penso nisso com satisfação, ora com medo. Que bom que não enlouqueci. Há quem diga...

A vida é o inverso do amor.

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